CARTA ABERTA À REDE GLOBO DE TELEVISÃO
DO MOVIMENTO PELA AUDIODESCRIÇÃO NA TELEVISÃO BRASILEIRA
A Rede Globo de Televisão desponta como liderança no território nacional e tem reconhecida projeção internacional. Apresenta uma programação diversificada na qual o noticiário, alguns programas semanais e as novelas tornaram-se referências emblemáticas e poderosos instrumentos de comunicação de massa e formação de opinião pública. Não raro, a Globo apóia e desenvolve projetos e campanhas de relevância social.
As novelas brasileiras veiculadas e exportadas por esta emissora são recordistas em audiência, ditam modas, influenciam hábitos, costumes, linguagem e comportamentos, os quais são propagados e assimilados de forma contagiante pela população.
A novela "América", de Glória Perez, que focaliza em um de seus núcleos a temática da cegueira congênita e adquirida , ocasionou a criação de um grupo de discussão na Internet com a participação de pessoas cegas, de pessoas com baixa visão, entre outros interessados, do Brasil e de Portugal .
O objetivo deste grupo de discussão é aferir os impactos desta abordagem entre as pessoas com deficiência visual; apresentar e propor sugestões para o desenrolar da trama da novela, no que se refere ao papel dos personagens cegos.
Esta mobilização tem potencializado o debate acerca de questões cruciais que refletem as principais demandas e reivindicações das pessoas com deficiência visual, sobretudo no que diz respeito às barreiras comunicacional e de atitudes. Exemplo de barreiras na comunicação podem ser aquilatados pela ocorrência de cenas mudas nas novelas, nos filmes, comerciais e demais programas, dificultando ou impedindo as pessoas com deficiência visual de ter acesso à informação e à cultura, veiculadas por esses programas.
Portanto, as chamadas cenas mudas sem o acompanhamento de uma descrição, constituem um desrespeito ao direito legal de as pessoas cegas terem acesso à informação e refletem a falta de atenção histórica às necessidades das pessoas com deficiência, a descrença em relação às suas potencialidades como agente consumidor de cultura, de produtos, de nicho de mercado. Além disso, refletem o esteriótipo amplamente difundido na sociedade de que as pessoas cegas têm preferência apenas por programas radiofônicos e não manifestam interesse ou gosto por filmes e outros programas televisivos e/ou cinematográficos, dentre outras formas de expressão eminentemente visuais.
Ocorre, no entanto, que existem recursos tecnológicos e alternativos disponíveis para solucionar esta situação por meio da audiodescrição, Uma narrativa oral, sucinta e objetiva com as informações relevantes de cenas, cenários e imagens visuais, que poderia ser transmitida pelo Programa Secundário de Áudio – SAP.
Apresentamos, a seguir, os aspectos que justificam e fundamentam a nossa reivindicação:
1 – O SAP é uma função já implementada na maioria dos aparelhos televisores de última geração;
2 – O SAP é utilizado pela Rede Globo, para a transmissão simultânea do som original, em Inglês, dos filmes de sua programação;
3 – A audiodescrição, transmitida pelo SAP será ouvida apenas por aqueles que necessitarem deste recurso, não causando transtorno aos demais espectadores;
4 – Este recurso é utilizado desde 1995 em outros países, tendo sido regulamentado por uma norma do FCC – Federal Communications Commission em 2002 ;
5 – A Rede Globo exporta parte de sua programação inclusive para países que utilizam a audiodescrição regularmente. Caso esta programação seja veiculada no Brasil e exportada com recursos de acessibilidade, esta iniciativa poderá elevar ainda mais o seu conceito como empresa preocupada com a responsabilidade social;
6 – O investimento na implementação da audiodescrição representará a ampliação dos recursos de acessibilidade para as pessoas com limitações sensoriais, uma vez que os telejornais da Rede Globo são transmitidos com o "closed caption" para os espectadores surdos;
7 – A audiodescrição também é importante para analfabetos, pessoas com dislexia ou com dificuldades cognitivas que não conseguem ler o texto escrito no vídeo;
8 – A audiodescrição tem baixo custo, pois sua implementação depende apenas da formação de competência de locutores que, com a devida orientação e a prática constante estarão aptos para o desempenho desta função;
9 – A novela América mobiliza um contingente de pessoas com deficiência visual e seus familiares, o que se torna uma oportunidade de participação interativa no que diz respeito à implementação e aprimoramento da audiodescrição;
10 – O censo 2000 (IBGE) revela que do total de aproximadamente 170 milhões de brasileiros, cerca de 25 milhões (14,5%) apresentam algum tipo de deficiência. Destes, 48,1% declararam que têm alguma dificuldade para enxergar. Consideremos, ainda o contingente de pessoas analfabetas, com dislexia ou dificuldades cognitivas que podem apresentar dificuldade para perceber informações transmitidas de forma essencialmente visual;
11 – A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT elaborou um projeto de norma de acessibilidade na televisão que prevê a utilização do SAP para assegurar a audiodescrição para pessoas cegas e o "closed caption" para pessoas surdas cujo projeto está disponível para consulta pública até dia 28 de junho de 2005;
12 – O Decreto Federal 5296/2004 estabeleceu a obrigatoriedade das televisões brasileiras implantarem a audiodescrição em sua programação, conforme os artigos abaixo:
Art. 52. Caberá ao Poder Público incentivar a oferta de aparelhos de televisão equipados com recursos tecnológicos que permitam sua utilização de modo a garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras de deficiência auditiva ou visual.
Parágrafo único. Inclui-se entre os recursos referidos no caput:
I – circuito de decodificação de legenda oculta;
II – recurso para Programa Secundário de Áudio (SAP); e
III – entradas para fones de ouvido com ou sem fio.
Art. 53. A ANATEL regulamentará, no prazo de doze meses a contar da data de publicação deste Decreto, os procedimentos a serem observados para implementação do plano de medidas técnicas previstas no art. 19 da Lei nº 10.098, de 2000.
§ 1º O processo de regulamentação de que trata o caput deverá atender ao disposto no art. 31 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
§ 2º A regulamentação de que trata o caput deverá prever a utilização, entre outros, dos seguintes sistemas de reprodução das mensagens veiculadas para as pessoas portadoras de deficiência auditiva e visual:
I – a subtitulação por meio de legenda oculta;
II – a janela com intérprete de LIBRAS; e
III – a descrição e narração em voz de cenas e imagens.
Pelo exposto, reivindicamos que a Rede Globo de Televisão concretize o princípio do desenho universal em sua grade de programação ao inserir a audiodescrição como alternativa para os espectadores com limitação visual, dentre outras, o que seria uma demonstração de pioneirismo, de democratização da comunicação e de justiça social.
MOVIMENTO PELA AUDIODESCRIÇÃO NA TELEVISÃO BRASILEIRA
Brasil, Junho de 2005